Sessão Musical | Noite Inteira – Pitty

De volta ao cinema neo-noir, o videoclipe de Noite Inteira incomoda e manda o seu recado (coisa que Pitty sempre soube fazer).

Desde o comecinho de sua carreira, Pitty descobriu a música como canal de revolução. É sua maneira de promover debates e tocar na ferida de quem fecha os olhos para a realidade. A influência distópica e noir já havia aparecido em seu primeiro álbum, Admirável Chip Novo, contendo o hit de mesmo nome, que é uma releitura de temas presentes no romance de Aldous Huxley Admirável Mundo Novo. Assim como Huxley, Pitty traz para pauta a tecnologia e como lidamos com ela em nossa rotina.

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Em seu segundo álbum, Anacrônico, alguns singles ainda preservam a mesma temática, principalmente nos videoclipes, como Na Sua Estante, por exemplo. No entanto, os dois álbuns seguintes já se distanciam um pouco do distópico para buscar tons de romance, autoconhecimento e regionalismo.

Em seu mais recente lançamento, Matriz, Pitty retorna aonde tudo começou, unindo o que aprendeu no percurso, junto ao que costumava ser em sua origem. Noite Inteira é o hit que mais lembra seu passado artístico, tendo como ilustrador Paulo Pires e o diretor de fotografia Carlos Pedreañez em sua versão audiovisual.

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É notável que o protagonismo do tema “matriz” não resumiu-se à uma busca interna, mas também foi atrás de aspectos históricos, através da presença de culturas da antiguidade indígena inca, africana e brasileira. A escolha de representar tudo isso nas ilustrações mostra a multiplicidade interpretativa desse resgate às origens, tendo influentes nomes da música brasileira assinando como contribuição em várias faixas do álbum.

Em Noite Inteira, Lazzo Matumbi é a voz retumbante que desperta e convida todos à luta. Alguns símbolos são colocados em cena para referenciar obras de neo-noir, como Laranja Mecânica; ou mesmo easter eggs de outras obras de Pitty, como o relógio e o coração presente no videoclipe de Na Sua Estante.

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Mas o que se destaca mesmo é a figura de Pachamama, considerada a deusa máxima dos povos incas, representante do mundo,  a “Mãe-Terra”,  que se repete diversas vezes durante o vídeo. Isso reforça o papel feminino conquistando seu espaço, e tomando seu auge na última virada da música, quando as vozes de Pitty e Lazzo se cruzam, trazendo as imagens de matrizes afro-brasileiras e o rosto da cantora em total evidência, tornando-se parte do todo.

As figuras humanas lutam com figuras híbridas e metamorfas durante boa parte do vídeo. Cada uma, individualmente, multiplica-se. Jogam pedras nos prédios, lembrando-nos do verso “Quem não teto de vidro que atire a primeira pedra“, outra releitura da cantora, dessa vez sobre a Bíblia.

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No entanto, é curioso perceber que o sangue derramado e citado na letra da música também refere-se à essa luta pelo protagonismo de quem sempre esteve à margem, nascidos e marcados na pele com as palavras “medium rare¹”, rebaixando-os à posição de gado, algo já abordado em mais outra releitura da obra de Huxley, através da música Admirável Gado Novo, de Zé Ramalho.

Não é à toa que nossa querida cantora tenha selecionado tudo isso para fazer parte do videoclipe de Noite Inteira. O recado está dado: precisamos voltar às origens para reencontrarmos nossa força; em conjunto, as feridas se curam. A matriz reescreve nossa história e nos ajuda a manter viva a essência da Mãe-Terra, que rege o mundo.

¹Medium Rare é a medida usada para pontos da carne. Em português seria “ao ponto”.

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