O roteiro de O Retrato de Dorian Gray conseguiu caminhar brilhantemente pelas águas da perversão.
Freud, ao falar sobre a sexualidade, dividiu o desenvolvimento psicossexual em cinco fases: Fase Oral; Fase Anal; Fase Fálica; Fase de Latência e Fase Genital. Cada uma destas apresentam suas respectivas estruturas psíquicas: Id, Ego e Superego; e também apresentam suas respectivas estruturas clínicas: Psicose; Perversão e Neurose.

Ao falar sobre a Perversão, Freud a definiu como um desvio sexual. Nesta estrutura clínica, o desejo é vivenciado como um vitorioso triunfo isento de qualquer sentimento de culpa. Ou seja, o sujeito perverso sabe o quer e a sua arrogância se faz presente aí: ao saber exatamente o que se quer alcançar, o indivíduo se faz livre das apreensões, das inibições, das auto-acusações e das frustrações que angustiam o neurótico.
A Teoria do Gozo foi fundamentada por Lacan, define o gozo como para além das reações corporais percebidas no momento do orgasmos. Para ele, antes da vibração corporal, o gozo já está constituído na psiquê humana. Dentro da teoria lacaniana, o gozo se constitui através de uma falta, ou seja, o gozo místico. Para contextualizar a sua teoria, Lacan buscou a teoria freudiana sobre a energia psíquica. Segundo Freud, o ser humano tem uma aspiração, sempre constante, de atingir um objetivo impossível, o da felicidade absoluta. Ou seja, uma felicidade absoluta, que esta revestida dentro de uma hipotético prazer sexual absoluto. Quanto mais difícil é se alcançar essa felicidade absoluta, maior a tensão se torna.

A Perversão é a estrutura clínica referente a segunda fase do desenvolvimento psicosexual, Fase Anal. E o mecanismo de defesa específico da Perversão chama-se denegação. A denegação é a recusa do sujeito em reconhecer como seu um pensamento ou um desejo, que foi expresso conscientemente. Negar a realidade é uma forma de se proteger contra algo que lhe pode causar dor e sofrimento. Na denegação, a percepção de um determinado acontecimento, que foi extremamente doloroso, surge através de uma desestruturação de si mesmo, onde a primeira reação é ver, mas ao mesmo tempo não ver. Ouvir, mas ao mesmo tempo não escutar.

Na segunda adaptação cinematográfica da obra O Retrato de Dorian Gray, escrita pelo britânico Oscar Wilde, o roteiro conseguiu captar com maestria as definições teóricas da perversão. Dorian Gray (Ben Barnes) é a perfeita personificação cinematográfica do perverso. Enquanto o roteiro de Psicose (1960) conseguiu caminhar perfeitamente pelas águas da psicose, o roteiro de O Retrato de Dorian Gray (2009) caminhou pela águas da perversão de forma onde a magia literária do clássico da literatura britânica estivesse presente nos quatro cantos da produção cinematográfica.
Dorian Gray, ao perceber-se como um homem extremamente bonito, deseja permanecer bonito e jovem para toda vida. É exatamente nesse momento que percebemos uma grande relação com a teoria do gozo de Lacan. A sua felicidade absoluta é a sua permanência como um sujeito jovem e atraente, um desejo que nunca se realizará de antemão, pois o envelhecer é algo que não se consegue fugir. Ao perceber isso, Gray faz um pacto através do qual ele possa permanecer jovem para todo sempre.

A caracterização de Dorian como uma personagem perversa se fortalece ainda mais nesse momento, no qual ele sabe exatamente o que quer e faz de tudo para alcançar o seu gozo. Ao buscar pela sua felicidade absoluta, Dorian não se preocupa com mais nada, além dele mesmo. Não há arrependimentos ou qualquer tipo de apreensão em seus atos, ele simplesmente os faz porque sabe que eles o levaram até o seu maior desejo.
O Retrato de Dorian Gray é ótimo material de estudo sobre a Perversão, pois Dorian Gray é uma personagem que caminha dentro da sua própria perversão.