Silêncio no cinema, o filme vai começar! Então o galã do filme diz a sua primeira fala e, inesperadamente, todos caem na gargalhada. Sua voz aguda e engraçada leva a sala inteira a rir sem parar. Não, não era uma comédia, era o início de uma nova era, a era do som no cinema.
“… não houve apresentações amigáveis, nem um ‘fez uma boa viagem?’ Ou ‘Bem-vindo a Hollywood!’. Em vez disso, ele reclamou das equipes, dos produtores, diretores e dos câmeras. ‘Eles não gostam da gente’, ‘eles não gostam do som, eles querem que a gente vá embora, mas a gente não vai’.” 1
Foi assim que Edward Bernds, em 1928, foi recebido por Howard Campbell nos estúdios da United Artist. Edward tinha apenas 23 anos e migrava do rádio para o cinema. The Jazz singer (1928), lançado pela Warner Bros, que havia sido um dos primeiros filmes sonorizados e o primeiro filme com diálogos, caíra como uma bomba sobre Hollywood e pessoas como ele eram contratadas pelos estúdios para criarem as primeiras equipes de som nas produções cinematográficas.
A tecnologia sempre teve um papel revolucionário nas expressões artísticas e, como toda revolução, encontra forte resistência. Para muitos dos diretores da época, o som arruinaria a sétima arte e modificaria todo o sistema de produção que existia. De fato, muitas coisas precisaram ser revistas. Nenhum estúdio estava preparado para o que estava por vir, pois muitas vezes eram galpões enormes, cidades cinematográficas caprichadas nos mínimos detalhes, mas extremamente barulhentas. E eram barulhos de todos os tipos: diretores gritando com as suas equipes, contra-regras carregando equipamento pesado, maquinarias de vários tipos e de todos os tamanhos, a todo vapor. Tudo isso precisava ser repensado.

Edward Bernds foi um importante engenheiro de som naquele momento e, como os problemas que estavam por vir eram problemas nunca vividos antes, tecnologias e técnicas precisavam ser criadas e aprimoradas, assim como a própria tecnologia para sonorizar os filmes que ainda era extremamente limitada, complexa e difícil. Ele teve um importante papel e não à toa, foi aclamado como o melhor engenheiro de som daquele tempo pela Columbia, tornando-se, anos depois, um respeitado diretor e roteirista – dirigiu Os Três Patetas, por exemplo.
O som e a imagem tornaram-se inseparáveis e as infinitas experiências e possibilidades que o áudio trazia ao cinema afloravam na cabeça de diretores e roteiristas. Alfred Hitchcock, que era consagrado pelos seus filmes mudos (se você não os conhece, por favor, pare de ler e vá correndo ver The Lodger!), explora como poucos o uso da trilha sonora e seus filmes, até hoje, são referência nesse quesito. Quem, por exemplo, não lembra da clássica cena do chuveiro em Psicose (1960), com aquelas cordas irritantes que, automaticamente, nos remetem à sensação de desespero? Tudo bem, tudo bem. O responsável mesmo foi Bernard Herrmann, que convenceu Hitchcock a usar sua música já que, inicialmente, a cena seria silenciosa. Mas o diretor não só lhe deu ouvidos, como também dobrou seu cachê pela brilhante ideia. Não se fazem diretores como antigamente, diriam os trilheiros de hoje.
Mas a trilha é só uma das importantes etapas da sonorização cinematográfica. A mágica do som gravado permite explorar outras vertentes e, parafraseando Brian de Palma:“O filme mente 24 vezes por segundo”. Porque, evidentemente, a fotografia não vem sozinha. Eis que em 1940, Fantasia, de Walt Disney, é lançado. O filme trazia uma tecnologia inovadora. Até o momento, todos os filmes usavam o som em mono – sabe quando um dos lados do seu fone quebra? Então, ele fica mono – e Fantasia, por ser um filme baseado em obras de música clássica de grandes compositores, precisava de um som a altura (exigência do próprio Waldisnei). Então, eles criaram um sistema capaz de fazer com que a plateia pudesse ouvir o som da orquestra como se ela realmente estivesse ali: Fantasound, como foi batizado.
Esse funcionava bem parecido ao surround como o conhecemos hoje, ou seja, permitia que diversas caixas de som fossem espalhadas pela sala de projeção, criando uma profundidade sonora infinitamente superior. Infelizmente, devido ao alto custo e a que todos os cinemas deveriam se adaptar fisicamente para acoplar o sistema, esse foi o único filme a usá-lo. Essa tecnologia, no entanto, trouxe inovações importantes como a gravação multi pista, na qual outros efeitos e vozes poderiam ser gravados na pós-produção (técnica chamada de overdubbing) juntamente com os sons já captados durante a filmagem. Isso mudou tudo.

Quem já assistiu a Tom e Jerry, Pica Pau, Os Flintstones, assim como outros grandes desenhos animados, tem em sua memória auditiva os diversos recursos da sonoplastia da época, pois eles acabaram virando padrões. Os mesmos princípios para marcação do movimento das personagens ou para demarcar os beats dos diálogos e anedotas são usados até hoje, variando de estilo para estilo – mas de alguma forma estão lá. São recursos, como dito, que se tornaram possíveis por causa da gravação multi-pista (Multitrack Recording, para os descolados), que consiste em canais independentes de áudio, podendo gravar diferentes coisas em cada um deles. Por exemplo, em uma canal (ou pista) se gravava um metrônomo, assim a orquestra poderia tocar num ritmo constante e os animadores poderiam calcular o movimento dos personagens com precisão junto à música; no outro, evidentemente, gravava-se a orquestra; um outro para os diálogos e, num último, a sonoplastia (sons como passos, batidas na porta, etc…). Com isso, o som do filme poderia ser melhor controlado e detalhado. Essa técnica é tão importante que é usada até os dias atuais.
Hoje, a quantidade de pistas é absurdamente maior (podendo chegar até mil!), além do mundo digital ter trazido uma comodidade que antigamente não existia: fazemos grande parte do trabalho em uma máquina só, com menos da metade dos aparelhos que precisávamos antigamente. O computador trouxe, claro, uma nova revolução no mundo do cinema, mas essa história vai ficar para a segunda parte, quando a era digital se solidifica no audiovisual.
1Tradução livre do trecho do livro “The State of the art – 1928 por Edward Bernds.