A mais nova estreia do genial Jean-Luc Godard é um protesto cinematográfico à realidade sociopolítica global.
Em seu último lançamento, o aclamado Godard trabalha a relação do cinema com o poder dos discursos políticos. O filme é composto de montagens com imagens de documentários e ficções que marcaram a história do diretor: não apenas filmes dirigidos por ele, mas todos aqueles que o influenciaram de alguma maneira.
Enquanto as primeiras cenas acumulam a carga dramática do ocidente ao longo dos anos, Godard analisa o mundo árabe contemporâneo, criticando o viés eurocêntrico do cinema. A maneira como uma imagem pacífica é abordada com um som estrondoso, ou então seguida por um corte seco e oco de uma guerrilha emergente, é importante para que o filme trace essa linha das possibilidades da linguagem do cinema, que consistem, muitas vezes, em despertar reações, e não apenas entregar a narrativa.
A guerra torna-se um instrumento poderoso com a linguagem da montagem, que é o propósito do diretor ao escolher sabiamente o título, que numa tradução literal ficaria como “O Livro da Imagem”. Os textos são inseridos dentro de imagens e diálogos recortados de outros filmes. É um discurso não-diegético (com uma pequena diegese entre atos) que traz uma ressignificação para cada uma das cenas do filme.
Os frames, que são construídos com películas clássicas, reconstroem o cinema oriental, além de reconhecer a carga política por trás do mesmo e a relevância em discutir a dominação do ocidente sobre as minorias em geral, não apenas no mundo árabe.
Há, ainda, a audácia do questionamento da religiosidade quando o diretor decide parafrasear sobre como os livros religiosos socializaram verdades absolutas no mundo.
Godard é sutil em abordar questões como estupro, racismo, xenofobia e o caráter antropológico das guerras, mostrando sabedoria ao escolher cada narração, imagem ou diálogos. Ele constrói uma atmosfera estonteante que não só conta a história do cinema, como se refere diretamente à construção identitária humana nos últimos séculos.
Aqui, o diretor nos prova que é possível adequar um texto a múltiplos contextos, arquivando-os aos mais diversos tipos de relatos biográficos e filmográficos que o espectador poderá reconhecer.
É um trabalho árduo identificar toda a referenciação histórica e fílmica dentro de uma obra tão meticulosamente planejada. Com o direcionamento certo e atenção, o público poderá mergulhar de cabeça numa viagem única pela mente de Godard.
Assim, Imagem e Palavra é um filme audaz que busca despertar em quem o assiste as mais diversas reações através de todos os recursos existentes no audiovisual, embaralhados pelo cérebro do diretor.