As brechas do Direito em O Terminal

A gente torceu e chorou por Viktor naquele aeroporto, só não entendemos o porquê.

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Steven Spielberg é um renomado diretor de Hollywood e, para isso, contribuiu enormemente a sua criatividade na escolha de temas para seus filmes. Dentre eles, um caso curioso está em O Terminal, de 2004, que traz Tom Hanks como Viktor Navorski. No filme, a personagem é nacional de Krakozhia, um país da Europa Oriental, que se vê desamparado quando um golpe revolucionário derruba o governo do seu país e inicia um longo conflito. Mas por que, como sabemos, Viktor fica preso no aeroporto?

O Estado de onde Viktor veio estava passando por um processo de refundação no qual faltava um elemento constitutivo considerado essencial pelo Direito, o governo soberano, e, por isso, é como se ele não existisse mais enquanto unidade política estabelecida para a sociedade internacional. Assim, os Estados Unidos não podia permitir que ele entrasse em seu território, pois o passaporte que ele possuía já não era mais válido e, portanto, tampouco era o visto que existia no mesmo. Esse país possui uma legislação restrita nesse setor, principalmente depois do 11 de setembro de 2001, mas a grande questão foi que, de acordo com o Direito Internacional Público, Viktor tinha se tornado um apátrida devido à extinção, mesmo que temporária, do Estado de onde ele vinha.

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É assim que Viktor acaba limitado à área internacional do aeroporto, por ter caído numa brecha da lei na qual ele não poderia entrar no país, mas também não tinha motivo para ser detido de nenhuma forma. Além disso, como a região de onde viera passava por uma guerra, ele tampouco poderia ser colocado num voo de volta a Krakozhia, pelo princípio internacional de não devolução do Direito Internacional dos Refugiados, que impede qualquer Estado de devolver uma pessoa a um país no qual se sabe que sua vida poderia estar em perigo.

O pós-doutor em Direito Valério Mazzuoli identifica que, em casos similares – nos quais o indivíduo se torna (ou nasça) apátrida, isto é, não possua a proteção legal de nenhum Estado –, isso não deve significar que o mesmo não tenha alguma proteção internacional. Em tais casos, ele será reconhecido como sujeito do Direito Internacional, enquanto possuidor de direitos essenciais dos seres humanos.

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Nesse contexto, o responsável pela coordenação do aeroporto, Dixon, tenta até mesmo conceder status de refugiado a Viktor, perguntando-o se ele tinha algum receio de retornar ao seu país, como uma forma de reconhecimento da sua condição delicada. Entretanto, como o europeu não vê a situação da mesma forma, ele se recusa a dizer que tinha algum tipo de medo e, por isso, se torna impossível enquadrá-lo como tal e liberá-lo do aeroporto. O refúgio seria aplicável, nesse caso, pela situação generalizada de desordem em Krakozhia, que poderia justificar o “bem fundado temor de perseguição” que é requerido frente ao Direito Internacional dos Refugiados desde a Convenção de 1951.

O Terminal traz, portanto, uma das situações em que o Direito Internacional Público encontra suas brechas, por ser um caso específico de exceção; aqui, a exceção da perda da nacionalidade, ainda que temporária, fez com que nenhuma regra se tornasse aplicável a Viktor como sujeito de Direito.

Bibliografia:

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 9 ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

 

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