Depois de uma terceira temporada insossa, a produção da Shondaland volta aos trilhos e mostra como angariou sua legião de fãs.
How to get Away With Murder já mostra a que veio no primeiro episódio: vamos mudar, e isso começa pela separação do núcleo principal, cuja relação já se mostrava mais do que desgastada pelas tragédias anteriores. Essa decisão acertada vai dar um espaço enorme à série para se renovar e, principalmente, para trazer personagens novas que vão ajudar a levar a trama adiante.
[ALERTA DE SPOILER]
A identidade de HTGAWM foi construída e segue estruturada pela fórmula de flashbacks que permeiam a primeira metade da série, deixando um suspense sobre quem morreu ou se feriu. A mesma ambientação esverdeada também é usada para ajudar o espectador a se localizar na linha temporal. Apesar de desgastada, a montagem vai funcionar por causa da dupla problemática, visto que duas “cenas de crime” nos são apresentadas, e porque não demora mais do que o necessário para ser montada diante dos olhos do espectador (já no episódio 8, “Live. Live. Live.”). Não obstante, voltamos tantas vezes ao mesmo ponto, para conseguir acompanhar todas as personagens em suas separações, que podemos lembrar do filme Ponto de Vista (2008).
Além do futuro, a série trabalha com remontagens do passado para melhor contar a história. Assim, vamos compreender muito melhor a relação entre Annalise (Viola Davis) e Bonnie (Liza Weil), além de acompanhar o complicado passado de Isaac Roa (Jimmy Smits), um dos secundários que mais se entrelaça nos caminhos da advogada, por ser o terapeuta designado para o seu tratamento contra o alcoolismo, e receber mais detalhes sobre os últimos dias de vida de Wes (Alfred Enoch).
Muitos pilares fizeram com que essa temporada desse certo: as atuações de Davis e Weil como um todo; Karla Souza na cena em que Laurel Castillo entra em trabalho de parto no elevador; Asher (Matt McGorry) na sua contínua escalada como personagem; mas, destacadamente, o desenvolvimento de todos os envolvidos, principais e secundários, faz com que seja uma trama envolvente e muito real. Desde personagens completamente novas, como o próprio Isaac, até algumas já familiares, como Nate Lahey (Billy Brown), o roteiro fragmenta a narrativa de forma que o espaço narrativo seja compartilhado e teça um intrincado jogo de relacionamentos, causas e efeitos – sem se perder nem prejudicar o objetivo principal enquanto isso.
Jimmy Smits tem um papel chave nesse momento da série, pois todas as acusações e a mágoa voltadas a Annalise serão, finalmente, diagnosticadas; com ele, poderemos compreender um pouco mais das atitudes dela e esse conhecimento, que a própria Annalise adquire, vai mudando sua maneira de se relacionar e de perceber o que a motiva. Ao mesmo tempo, Issac vai se enxergando e se envolvendo com a vida da paciente, sendo ele mesmo um ex-viciado em drogas, além de também ter perdido uma filha – e tudo isso se mostrará importante para o andamento da narrativa. Isso é um bom desenvolvimento de personagem.
Viola Davis consegue voltar ainda mais envolvente e poderosa – e não apenas nos tribunais. Sua cena com o bebê de Laurel é longa e apavorante, mas a atriz consegue te manter na beira da histeria sem nunca cair completamente nela. Seus discípulos também conseguem segurar as pontas bem: você pode não concordar ou não gostar deles, mas eles fazem sentido dentro das experiências pelas quais passam e das ambições que possuem. O relacionamento de Connor (Jack Falahee) e Oliver (Conrad Ricamora) é um dos poucos momentos em que podemos respirar durante os episódios, já que Michaela (Aja Naomi King) continua deixando Asher para trás.
O crossover com a série Scandal (2012-2018) trouxe uma dinâmica interessante entre Viola Davis e Kerry Washington que os fãs não poderiam ter perdido antes que essa terminasse. Essas explorações novas tiveram que contrabalancear o fato de que o mistério em volta da morte de Wes já se desgastou e precisava ter sido fechado antes que a temporada anterior terminasse – ao invés disso, temos mais dúvidas e mais mistérios envolvendo a família Castillo, até o episódio final da quarta, quando descobrimos que sim, a família de Laurel tem muitos problemas: basicamente, ninguém presta (talvez incluindo ela própria).
Para se renovar de verdade, How to get Away With Murder precisou começar a fechar suas perguntas, ao invés de continuar abrindo mais. De quem é o filho que Frank (Charlie Weber) encontra na universidade? Laurel matou a própria mãe? Essas questões só funcionam porque a morte de Wes foi finalmente desvendada e não precisamos mais voltar a esse assunto – afinal de contas, ninguém aguentava mais.
A quarta temporada foi um bom presságio, de que a produção ainda tem possibilidades a explorar e pode fazer diferente. Continua sendo possível observar isso, inclusive, nos primeiros episódios da quinta temporada. O prolongamento de uma série pode ser um verdadeiro atestado de óbito, mas também pode ser um acúmulo de bagagem que permite ao espectador ler muito mais de cada cena e informação, e How to get Away With Murder está ficando profissional em fazer isso.