Sessão Musical | Trópico – Lana Del Rey

O curta-metragem que contém três músicas do álbum Born To Die é dirigido por Anthony Mandler e se constrói em torno da história bíblica sobre pecado e libertação.

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A película é cuidadosamente dividida em três atos. O início do filme apresenta as personagens de Adão (Shaun Ross) e Eva (Lana Del Rey) vivendo no Paraíso. Junto a eles e à imagem de Jesus, estão as figuras que simbolizam o sonho americano: Elvis Presley, Marilyn Monroe e John Wayne. Enquanto Monroe e Presley estão ali para representar a sexualidade e adrenalina humana, como figuras dúbias das possibilidades carnais, Wayne é apresentado ao espectador como o próprio Deus.

Por ser uma das maiores influências de Hollywood em seus anos dourados, em especial se tratando de filmes de faroeste, John Wayne é retratado como uma personagem irônica, com a voz tipicamente estadunidense e, apesar de ser a autoridade do Paraíso, trata o cenário de maneira descontraída.

Adão e Eva vivem harmoniosamente no Jardim do Éden, junto aos frutos e animais. Começa então a tocar Body Electric, uma música sobre a descoberta do pecado da carne. Del Rey atua, então, intercalando os takes entre as personagens de Eva e da Virgem Maria.

Enquanto o casal realiza uma dança que explora inteiramente os corpos um do outro, as figuras que os acompanham no Paraíso os observam com certa curiosidade e medo. Um unicórnio aparece ao lado dos dois para representar a inocência do casal, que estaria prestes a chegar ao fim.

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O cenário é propositalmente escolhido para ter um tom, essencialmente, avermelhado. Dessa forma, eles poderiam trazer uma atmosfera sexual e ainda destacar a pureza dos elementos mais azulados – como o unicórnio e o coelho.

A cobra aparece como um elemento peçonhento, instigando a sexualidade de Eva e a descoberta do fruto proibido. Não apenas aparece rastejando ou sobre a árvore, como também faz parte do momento de acasalamento entre Adão e Eva.

É nessa cena que o conto torna-se mais moderno. A história apresentada não é a mesma que a da bíblia, mas sim baseada na história de Lilith, um mito que diz que houve uma mulher anterior a Eva. Lilith teria sido expulsa do Paraíso por recusar deitar-se debaixo de Adão.

O que acontece é que, justamente no momento em que Adão deita Eva no chão, Eva reverte a situação e toma o controle do ato, não apenas deita-se sobre ele como também o seduz com uma dança que é feita com a cobra em mãos.

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Todos os integrantes do Paraíso parecem estar em choque com o domínio feminino sobre a figura masculina. As personas de Marilyn e Elvis parecem tão pasmas quanto incentivadoras. Elvis chega a erguer o punho para o ar em comemoração, enquanto Marilyn repete um movimento característico da atriz, com seu vestido rodado e o rosto surpreso.

Eva leva Adão até a árvore e lhe oferece o fruto proibido – mas não sem que ela mesma possa prová-lo primeiro. Quando Eva morde a maçã, uma tempestade começa no Paraíso, representando toda a fúria de Deus. Enquanto isso, Maria e Jesus rezam, cada um em seus diferentes cenários, pela alma corrompida do casal.

Após a mordida que definiria o futuro da humanidade, Eva cai ao chão e a cena é mesclada com o mesmo plano, mas em um cenário diferente com elementos diferentes. Eva é, agora, uma stripper na Terra, enquanto Adão faz parte de uma gangue. Os dois tornam-se usuários de drogas e cercados de violência e dinheiro.

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“Em uma terra de deuses e monstros, eu era um anjo, vivendo no Jardim do Mal” – Trecho de Gods and Monsters

O segundo ato é sobre como a humanidade teria herdado o sofrimento e o pecado por causa das escolhas do primeiro casal. Assim, Del Rey começa a recitar um poema de Walt Whitman“Eu canto o corpo elétrico” –, que foi uma das maiores inspirações para sua música. O poema fala sobre o valor da alma e do corpo, se estes atuam de maneira separada ou conjunta; dialoga sobre a condição humana do pecado e das nuances do corpo feminino e a forma deste em conjunto com a natureza. Também discute a família, a sede de poder do homem e suas limitações.

Del Rey possui duas lágrimas tatuadas ao lado do seu rosto. Cada uma simbolizaria uma pessoa que foi perdida por Eva, no caso, a própria mulher e Adão, quem eles costumavam ser antes de toda a corrupção. Há ainda a possibilidade de isso estar atrelado às tatuagens de prisão, pois assassinos nos Estados Unidos costumam ganhar uma lágrima ao lado do olho pela morte de alguém.

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Juntos, Adão e Eva cometem crimes como assaltos à mão armada, participação em gangues e tráfico. Ainda são viciados em drogas e vivem uma vida ilícita, frequentando festas e planejando delitos nas ruas de Los Angeles (“A Cidade dos Anjos”), onde a única esperança de um vive no outro.

Ainda no segundo ato, Eva (Del Rey) canta “eu e Deus não nos damos bem” e “Deus está morto, eu disse que isso está ok para mim” , na música Gods and Monsters, o que seria resultado das escolhas dela que vão contra as pregações cristãs. Além disso, a vida que ela leva na Terra é melancólica e infeliz. Há uma comparação com o estilo de vida de Jim Morrison, o vocalista da banda The Doors, que ficou conhecido por suas polêmicas como o vício em álcool e drogas, que o levou à morte aos 27 anos.

Existe uma cena forte onde uma das frases da música é cantada pela Virgem Maria, na qual Del Rey fala sobre seu desejo sexual.

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Quando Gods and Monsters chega ao fim, Lana recita mais um poema, desta vez, “Howl“, de Allen Ginsberg. Esse registro fala sobre como as maiores mentes de sua geração foram destruídas pelas drogas, violência e desejos mundanos, o que dá todo o fechamento ao segundo ato, durante uma festa da burguesia de Los Angeles, que contratam prostitutas para passar a noite divertindo os empresários.

A gangue invade a festa e começa a violentar os homens ricos fisicamente, com coerção por armas e força bruta, exercendo o poder e a dicotomia entre as diferentes classes sociais que, ainda assim, levam estilos de vida coligados. Por exemplo, Eva é uma stripper e os empresários de Los Angeles exacerbam seus desejos sexuais nessas mulheres durante a noite.

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O terceiro ato é sobre a redenção. Ele seria uma espécie de local pós-apocalíptico. O diretor trabalha com cores amareladas para dar uma sensação maior de conforto e comodidade, a familiaridade do lar, ao seu espectador.

Dessa vez, quem narra a história é Deus. Ele recita um poema chamado “Porque eu amo a América?”, escrito por John Mitchum. Como a divindade aqui é representada pela figura de um cowboy, John Wayne, a escolha do poema é muito interessante por falar, justamente, do amor ao interior dos Estados Unidos. Os versos falam sobre o pôr-do-sol do Kansas e das chuvas do Arizona.

É quando, supostamente, Deus, ou John Wayne, decide acabar com o mundo e Adão e Eva buscam o perdão e a purificação, tornando-se, novamente, imortais. Tudo isso acontece ao som de Bel Air, uma música que fala sobre ir na direção de Deus e não ter medo de encontrá-lo.

A cena começa com o casal dirigindo sem rumo com vestes pretas, que logo são trocadas por roupas brancas e claras, que transmitem uma sensação de paz e leveza interior, junto com ambos sendo mergulhados na água, como uma representação de purificação ou batismo.

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O casal é, finalmente, arrebatado para os céus novamente.

Com uma excelente direção de arte, um colorista perfeccionista, a escolha ideal da trilha sonora e das poesias que a compõem para transformar essa história em um arco fechado e com a narrativa teatral tradicional perfeitamente retratada nos três atos do filme, Tropico é uma preciosidade do mundo da música, tendo sido exibido no Cinerama Dome, em 2013, na cidade de Los Angeles.

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