O episódio 6, Cherry, teve uma coisa ou duas a mostrar sobre o alcance do determinismo de papéis sociais.
Sharp Objects, a nova série da HBO, tem uma gama de assuntos dignos de reflexão em seu enredo. Baseada no livro de Gillian Flynn, ela tem um enredo desafiador para o espectador, que está constantemente tentando manter a cabeça acima da água.
No episódio em questão, Camille (Amy Adams) participa de uma reunião com suas antigas amigas, da época de escola. Em meio a flashbacks do passado, como é característico da produção, ela se depara com a maneira como essas mulheres cresceram para entender o mundo.
Em meio ao caos nessa pequena cidade, gerado pelo assassinato de duas meninas, as mães do grupo dizem não entender como Camille é capaz de escrever sobre algo tão horrendo, mas rapidamente chegam a uma conclusão: ela não poderia se sentir mal o suficiente por essa perda, não sem ser mãe. Uma delas até mesmo diz que acredita que parte do coração jamais funciona sem a maternidade, ao que a dona da casa acrescenta: por mais que ciência e religião briguem, esse é um ponto onde os dois se encontram, pois, ao mesmo tempo em que a Bíblia diz que se multipliquem, cientificamente esse é o simples propósito da mulher.
Mas como isso se relaciona com a maternidade compulsória? Esse termo foi cunhado pelos recentes movimentos feministas para explicar de que maneira é atribuído a todas as mulheres um papel social que se pretende inegável. A compulsoriedade vem, de forma subjetiva, defender que a mulher nunca se torna completa sem ter tido essa experiência. Mesmo depois de superada a educação voltada para o casamento, a socialização das meninas ainda é voltada para brinquedos e atividades que a associam a essa expectativa. E, se ela cresce para divergir dessa “vocação”, ela é vista com estranheza, como um ser frígido e insensível.
Assim, quando é dito a Camille que ela não pode sofrer como elas, essa frase não quer dizer apenas que suas diferentes experiências de vida mudam a maneira como elas vivenciam o mundo, mas sim que a jornalista não tem a capacidade de se importar, pela falha intransponível de nunca ter maternado. A postura de Adams diante disso demonstra, ao mesmo tempo de forma sutil e inegável, o impacto que essa declaração tem sobre uma mulher.
É compreensível que elas pensem desse jeito, pois todas foram socializadas dentro da percepção de que existe uma sequência natural para a vida dentro do seu gênero, que inclui o grande passo de ser mãe – não importa o quanto isso demande ou modifique em sua trajetória pessoal. O tema está no seu dia-a-dia desde cedo e há uma observação constante quanto à sua disposição, planejamento ou idade – diferentemente do que acontece com os homens, já que a sociedade trata a “construção da família” como uma atribuição feminina.
A filósofa Elisabeth Badinter, em seu livro “Um Amor Conquistado: o mito do amor materno”, elabora sobre como a afeição que a mãe nutre por seu filho não é um dom feminino natural e sim resultado de um processo social e histórico. O que é preciso, no atual cenário de pressão, é desconstruir a visão romântica e vinculativa da maternidade, para que as mulheres consigam ter uma visão mais livre das suas possibilidades e menos punitivas quanto ao desejo próprio de não seguir esse caminho.