Qual é o efeito de uma interpretação pronta sobre um fenômeno cultural?
O rapper americano Childish Gambino – também conhecido pelo seu trabalho como produtor e ator, sob o nome Donald Glover, em obras como Atlanta e Han Solo: Uma História Star Wars – lançou no dia 5 de maio a música e o clipe de This is America.
A reação internacional foi imediata, pelo conteúdo forte e com caráter de denúncia que Gambino traz junto a Hiro Murai, diretor do clipe. O músico protagoniza como uma personagem que muitos reconheceram como a própria América, mostrando a forma como ela se utiliza da cultura negra como espetáculo, mas se empenha em apagar sua população. Diversos textos e vídeos foram feitos com o único objetivo de analisar minuciosamente cada cena e referência – são muitas -, o que envolveu até mesmo o não-lugar presente em Corra!.
Devido a essa curiosidade em relação às intenções e feitos do clipe, durante uma entrevista sobre a estreia de Han Solo o entrevistador Chris Van Vliet perguntou a Glover se ele poderia explicar o vídeo, ao que ele respondeu que não. Para começar a entender o porquê, é preciso responder a uma pergunta que pode parecer simples, mas que é de suma importância:
Até onde o artista tem poder sobre a própria obra?
O artista tem um espaço delimitado com certa precisão. Isso acontece porque toda a intenção pode ser carregada e executada durante a produção, mas quando essa é lançada ao público, esse universo é expandido e pode ir muito além desta ideia inicial. A questão é que a arte traz um espaço interpretativo rico e cheio de subjetividade – é por isso que, como o próprio Glover disse, ao entrar em contato com as suas obras, “você pode ir embora e levar qualquer coisa que você precise levar embora com você”.
O processo tem muito em comum com o que acontece em zonas de fronteiras culturais, onde os movimentos são ressignificados a partir de cada receptor, a depender das experiências e costumes que traz consigo. Para além desse aspecto físico e espacial dos contatos, da mesma forma entramos em contato com expressões que estão além de nós, mas que terão um sentido próprio e coerente com aquilo que conhecemos.
Essa é a grande importância da arte: ela não é finda nela mesma, ela instiga o processo de criação sem o conhecimento de barreiras. É por isso que questionar ou dizer se algo que foi visto no clipe era ou não era intencional deixa de ter significado; a construção de conceitos não termina com o fim do planejamento, nem com o fim das gravações. Assim o é para todas as construções artísticas
A limitação que seria gerada, portanto, se Childish Gambino procurasse explicar ou contextualizar esse lançamento, seria inimaginável. Ele, portanto, clama para que entendamos que esse não é o seu lugar enquanto músico; a provocação está aqui. Para nós, se inicia o trabalho de refletir sobre ela – e sua imensurável importância.