Crítica | Cara Gente Branca – 1ª Temporada

“Querida gente branca, aqui vai uma lista de fantasias nas quais você poderá se fantasiar no halloween:

  • Piratas;
  • Enfermeiras gostosas;
  • E qualquer um dos nossos 43 presidentes;

E, no topo da lista de fantasias inaceitáveis, EU.”

É exatamente assim que começa a trajetória da personagem principal da série. A “guerra” entre negros e brancos em um campus de universidade é iniciada quando uma predominância branca sugere e efetua uma festa de Halloween levando o black face como humor.

A crítica social dessa série vai muito além, abordando com profundidade o racismo e suas vertentes. A jornada da Sam White (Logan Browing) se divide em torno do seu programa Dear White People, na rádio da faculdade – no qual ela normalmente faz suas críticas a pessoas com pensamentos segregacionistas no campus -, e o grupo de movimento negro da mesma.

A série vai longe com o humor ácido da sua narrativa. Um dos pontos mais altos de toda a produção foi colocá-la dividida entre todas as personagens envolvidas na trama. Ou seja, você pode ter uma opinião mais ampla sobre o que acontece nela, sem se basear apenas no ponto de vista da protagonista da trama.

Uma hora você pode se afeiçoar à personagem, assim como pode ter antipatia por ela no mesmo episódio. O fator muito bem colocado na série foi essa humanização das personalidades, que leva pra fora das telas a empatia do telespectador pelas situações passadas por cada um. Além disso, a cada dois episódios você conhece uma das personagens mais a fundo, o que te torna mais preso à história.

Em torno de Samantha White existem Gabe (John Patrick Amedori), Coco (Antoinette Robertson), Joelle (Ashley Blaine Featherson), Reggie (Marque Richadson) e ainda outros personagens essenciais para a trama.

Isso tudo sem citar as direções de fotografia e musical, que não passam batidas.

Querida Gente Branca exibe o conflito dentro do movimento negro sem menosprezar as pautas dentro dele; também apresenta cada luta e situação passada por essas personagens, de certa forma explicando porque o racismo é extremamente ruim e porque é necessária essa representatividade junto com o poder de fala para o negro.

Falando em movimentos sociais, a série também possui uma enorme representatividade LGBTQ+, do feminismo e do empoderamento feminino perante a sociedade.

Cada situação exibida, em cada episódio, mostra críticas à sociedade estereotipada pela mídia. Um exemplo é a narrativa da personagem Coco, que se sente obrigada a se adaptar à elite da universidade, tendo que alisar seu cabelo, ou, muitas vezes, até mesmo usar uma lace para esconder seu cabelo crespo. Ela realmente acaba cedendo a essas situações, quando teme ser atacada por alguém.

Já o caso da narrativa de Reggie eleva a série a um outro patamar, pois traz a profundidade do tema da abordagem agressiva de policiais às pessoas negras, principalmente quando ele tenta apartar uma briga e acaba ele sendo o preso da situação; tudo por conta do racismo instituído nessa sociedade.

Cada jogada e furo nessa série é propositalmente deixada pelo autor para que o telespectador fique na expectativa do que vai acontecer depois, mesmo tendo uma previsão pelo curso da história, que vai dos quatrocentos anos de escravidão, segregação e até hoje, com a luta por igualdade.

Tema 1:

“Quatrocentos anos de escravidão”

Ao assistir à série, observa-se que a todo custo, quando citada essa frase, alguém acaba tentando submeter o contrário, com frases do tipo: “Mas isso foi há anos atrás, vocês precisam superar isso”. Essa frase basicamente remete a qualquer pessoa que, às vezes por possuir seus privilégios, nunca esteve no posicionamento de oprimido. Assim, esse discurso sempre vai recordar uma parte do dia-a-dia das pessoas negras. Muitas chegam a evitar debater, porque são raros os momentos nos quais a pessoa se conscientiza e sente empatia por tal movimento.

Tema 2:

“Nossa cor de pele não é uma arma, não precisam ter medo dela”

A luta por igualdade se torna um dos temas mais visíveis durante a série. Sam, mesmo derrubada por diversas vezes, persiste em falar, usar a sua voz como um pedido de socorro pedindo para ser ouvido e ter seus direitos iguais aos outros alunos.

Tema 3:

Relacionamento interracial

A personagem principal, mesmo discursando a favor das militâncias, acaba se apaixonando, vivendo esse amor que seria um tanto “proibido” segundo o que ela prega. Porque, no ambiente comum, toda vez que ela anda entre as pessoas do grupo dele, se sente um peixe fora d’água.

Essa mesma sensação é proporcionada pelo personagem do Gabe, que, ao apoiar a namorada, acaba sentindo do mesmo jeito que Samantha se sente todos os dias no campus, quando não tem sua voz ouvida.

Tema 4:

A citação aos estereótipos impostos pela mídia em filmes, séries e clipes.

Esse é o espaço onde o negro é necessariamente a pessoa que fala mais alto, ou o revoltado, barraqueiro, engraçado. É interessante citam justamente o famoso diretor Quentin Tarantino que propagou exatamente esse estereótipo quando escreveu o personagem de Jamie Foxx em Django Livre (2012).

 

Dear White People não tem a mesma divulgação que Os Treze Porquês, além de ter sofrido ameaça de boicote por uma porcentagem de pessoas que alegaram racismo reverso (racismo é racismo, não tem nada de reverso nisso).

A obra é nada mais, nada menos, que uma cartilha de como ter empatia e procurar entender o lado daquele seu amigo, que passa por essas situações todos os dias. Aquele amigo, que não consegue uma vaga de emprego por possuir cabelo crespo; aquele amigo, que ao andar na calçada, observa pessoas atravessando a rua por medo de estar no mesmo ambiente que ele; aquele amigo, que, quando entra no ônibus e só quer descansar, acaba sendo discriminado por pessoas que desconfiam dele.

Tudo isso está incluso nessa série e é exatamente esse poder de fala que é preciso ser ouvido pela sociedade, para que modifiquem seus comportamentos e humanizem essas pessoas, ao invés de menosprezar a luta daqueles que querem um olhar de igualdade do próximo.

Você não precisa ter medo quando avistar uma pessoa negra na rua, afinal, ela é uma pessoa; e não um monstro. Às vezes, os verdadeiros monstros se encontram de paletó e gravata, sentados numa cadeira, postando e escrevendo que só existe um mal a ser combatido, criando uma batalha na mente de pessoas manipuladas que creem que seu inimigo está andando solto nas ruas.

 

Um comentário em “Crítica | Cara Gente Branca – 1ª Temporada

  1. Ótima crítica, muito bem detalhada. Esse foi um dos seriados que mais gostei de ver até hoje, por ser uma temática tão atual. Gostei muito de um filme documental que assisti ontem, Diga o nome dela: A vida e Morte de Sandra Bland, um dos bons documentários atuais muito impactante, sobre um caso que em que uma ativista morreu e que contribuiu em muito para o movimento Black Lives Matter. Acho fundamental para repensarmos sobre a nossa sociedade. Super recomendo.

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