Análise | Riverdale – 1ª Temporada

Quando uma série consegue ultrapassar os limites de uma graphic novel, até seus defeitos são ofuscados com tanto brilho-néon.

Riverdale. Aparentemente, uma cidade norte-americana como qualquer outra. Exceto pela constatação óbvia de que coisas estranhas acontecem naquele fim de mundo. Embora nos pareça uma história muito familiar, não estamos falando de Stranger Things.

Mesmo diante de um plot bem parecido, a diferença entre essas duas séries não se dá apenas pelo grupo de protagonistas serem mais velhos em Riverdale, ou por não jogarem RPG. O fio narrativo aqui se dá de maneira a tender mais para a investigação criminal do que para uma simples história de suspense. E apesar do cenário oitentista já utilizado não somente em Stranger Things, como em outras séries recentes (Black Mirror, por exemplo), Riverdale tem seu próprio brilho-néon.

As cores utilizadas são importantes para uma história policial, como já somos introduzidos desde o primeiro episódio. Os cenografistas se utilizam de lentes e filtros azulados e pouco saturados para representar o fundo, a cidade apagada pela morte que deu início à desconstrução de uma imagem de segurança há tanto tempo propagada entre os nativos do lugar.

Temos em segundo plano o vermelho, representada não apenas pelo neón da lanchonte POP (que se tornou elemento importantíssimo, por sinal), mas principalmente presente na família Blossom: em sua etnia ruiva, nos móveis, no figurino, na maquiagem. O vermelho significa sangue, e ao mesmo tempo poder, o que já poderia ser uma pista para o espectador mais curioso, no que diz respeito à solução do caso que estivera tão debaixo de nossos olhos.

O preto em Verônica e Jughead lembra muito o luto. Ambos os personagens passam por problemas familiares idênticos, mesmo considerando a discrepância dessa comparação. Enquanto Verônica vem de família abastada, Jughead é uma espécie de nômade, sem um lar verdadeiro. No entanto, eles têm algo em comum: seus pais são criminosos e estão presos. E este preto-luto se apresenta não somente no figurino, mas também na cor dos olhos e cabelos dos dois personagens.

É interessante perceber a importância que tem a cor de cada personagem em sua apresentação física. Cabelo e figurino em alguns momentos se combinam. Betty, por exemplo, é loira e se apresenta com cores delicadas e alegres, exceto quando a personalidade de sua irmã, Polly, toma conta de si. Então ela tende ao preto, também. Já Archie, ele não parece ter uma cor característica. Mas seu cabelo avermelhado nos dá uma pista sobre essa questão de sangue e poder. Tal não foi a surpresa, portanto, ao descobrir o gancho para a segunda temporada, colocando-o como possível protagonista.

A primeira temporada de Riverdale possui 13 episódios de quarenta minutos, mais ou menos. É uma aposta difícil, considerando os fracassos de várias séries que terminam perdendo o fio da meada. Aqui, felizmente, não foi o que aconteceu. A linha narrativa não se perdeu em nenhum momento sequer. Tudo pareceu ser cronometrado, planejado. Todas as cenas fizeram sentido, todos os diálogos foram importantes para a trama principal. Mesmo aqueles que serviram estritamente para desenvolvimento de personagem.

A carga emocional está presente o tempo inteiro, e talvez seja justo isso que ajude na fixação do espectador na tela. Há sempre algo acontecendo, algo à espreita. Algo que pode negar tudo que foi dito anteriormente. E embora a câmera conte a história que ela quer, levando-nos aonde ela quer, vendo o que ela quer, ainda assim é difícil apostarmos no que, de fato, está acontecendo na história.

Como numa investigação real, contra argumentos há sempre argumentos. Um elemento de um inocente pode se tornar suspeito, e um elemento suspeito pode se tornar inocente. Noutras palavras, o que está bem claro em Riverdale é que o espectador não recebe os resultados de uma investigação, mas os dados, para participar como coautor.

É interessante, inclusive, pensar, que Jughead sendo o autor de tudo que estamos assistindo pode dar a ele um crédito quanto ao que vamos pensar dele. Talvez Jughead, sendo o verdadeiro autor, tenha o mesmo papel da câmera. Omitindo informações, manipulando todo mundo, para que nos ganhe pela empatia. Que é o que de fato acontece do primeiro ao último episódio. É um pouco improvável que alguém realmente tenha suspeitado que Jughead estivesse envolvido no assassinato, mesmo que fosse uma possibilidade bem crível.

Personagens que só serviram de escada ou para caracterização dos protagonistas foram dispensados sem dó nem piedade. Foi uma ótima estratégia, para não se criar núcleos desnecessários, ou que ficassem em aberto, sem respostas. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a professora de música de Archie. Que estava lá somente para mostrar o talento do protagonista, e o tipo de personalidade que ele tem.

No entanto, de todos os setores, o único que apresenta uma indiscutível falha é o setor de montagem e edição. Embora a montagem sonora tenha apresentado falhas discretas, sua fragilidade fica bem aparente na abundância de cortes secos onde não deveriam ser secos, num amontoado de takes por cima uns dos outros, claramente pensados para os intervalos comerciais da TV, e nem um pouco estruturado para essa flexibilidade de quando a série fosse para os streamings. Há pouca suavização nas transições, o que incomoda até certo ponto.

Mas de um modo geral, apesar desta fragilidade em edição e montagem, Riverdale nos ganha por seus personagens empáticos, sua atmosfera oitentista, e mais do que isso: por ter conseguido dar vida à uma graphic novel, trazendo um gostinho de leitura no fim da tarde, ao som de música pop e milkshake de morango.

2 comentários em “Análise | Riverdale – 1ª Temporada

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