Maratona OSCAR | Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississipi

A simplicidade e a franqueza dessa obra vão te deixar pregado à sala de cinema.

Mudbound é baseado no romance homônimo de estreia de Hillary Jordan, escritora estadunidense também conhecida por When She Woke (2011). A trama perpassa os desafios trazidos pelos anos 40 a duas famílias do Mississipi e a maneira como as vidas das mesmas se entrelaçam.

Existe um recorte racial poderoso, levado ao escrutínio em cenas de evidente hierarquia social; Henry McAllan (Jason Clarke) se sente dono da família Jackson, e isso sequer precisa ser dito – sua conduta e sua postura quando se dirige a eles é suficiente. A exigência do comportamento como “the help” (“a ajuda”, numa tradução literal) evidencia a propensão a objetificar a vivência do corpo negro. Nesse sentido, o filme sucede em mostrar a gama de situações em que esse poder se estabelece, seja de forma sutil, aos mínimos detalhes na voz, ou de forma mais contundente. O roteiro segue essa realidade de forma objetiva, mostrando a indissociabilidade entre ela e qualquer relação interpessoal nessa época.

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Além disso, o filme reflete sobre as consequências da Guerra, como a readaptação dos ex-combatentes, a questão da distribuição de terras nos Estados Unidos – o que, na verdade é adaptável à nossa própria realidade – e quanto ao casamento. Há, numa cena chocante, uma pincelada sobre o abuso infantil, que merece ser mencionada.

Seis personagens centrais são desenvolvidas, em graus diferentes, numa montagem que deixa um pouco a desejar pela falta de continuidade no primeiro ato. A narrativa volta, depois de uma cena cuidadosa e detalhada, ao início, para rápidos flashbacks dos momentos mais importantes até então. Essa mudança de ritmo incomoda, como se a produção reconhecesse que precisa chegar ao ponto com rapidez. E, de fato, boa parte desse retorno poderia ser reciclada em outros desenvolvimentos.

A característica mais marcante da adaptação feita por Virgil Williams e Dee Rees é a introspecção das suas personagens. Eles possuem uma forma direta e crua de nos contar como percebem as suas relações e o seu cotidiano, algumas vezes em cenas que poderiam muito bem ser autoexplicativas. Talvez pela riqueza do próprio livro, os voiceovers mantiveram essas ideias individuais e construíram uma obra que dá voz aos mínimos anseios dessas figuras.

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É assim que conhecemos Laura McAllan, interpretada por CareyMulligan. Ela é uma mulher com certos padrões de vida que, inesperadamente, se encontra numa situação de desequilíbrio financeiro e mudança radical – “Meus sonhos eram marrom”. Mulligan vive a inconformidade de Laura no tom melancólico da produção e é capaz de cultivar a empatia do espectador pela sinceridade nas suas ações e na sua narração.

Jamie McAllan (Garrett Hedlund) e Ronsel Jackson (Jason Mitchell) passam o primeiro ato nas entranhas da Segunda Guerra; a saudade e o trauma que os acompanha no retorno são de uma honestidade singular, trazendo uma nova perspectiva do que o conflito pode representar. Ronsel sente de forma pungente a decepção de voltar para o país no qual ele mal é tratado como um ser humano, depois de ter sido tão esperado e celebrado pelas cidades europeias que buscavam libertação das forças nazistas. A amizade entre os dois dá maior consistência e entrosamento ao segundo ato de Mudbound e é um elemento chave para a história.

Roots

Mary J. Blige concorre ao OSCAR como “Melhor Atriz Coadjuvante” e pela canção Mighty River, junto a Raphael Saadiq e Taura Stinson. A presença materna de Florence Jackson vem carregada com um senso de dever; suas ações são profundamente guiadas por essa força motora dentro da família e pelo amor que sente pelos seus filhos. Sentimos a necessidade de ver um pouco mais dela, como pudemos ver do seu marido, Hap (Rob Morgan), que definitivamente merecia uma nominação.

Hap é um homem dividido entre fornecer a figura paterna, como chefe de família, e manter a cabeça baixa para os donos da propriedade, que não lhe pertence. Seu discurso sobre a posse de terra se mantém durante todo o filme como um verdadeiro apelo, remetendo, na verdade, a uma noção muito mais profunda de liberdade. Morgan nos mantém envolvidos com a sua vivência o suficiente para que ele se torne memorável e único no enredo.

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Mighty River é um toque final extraordinário para o filme, capaz de extravasar toda a sensação de injustiça e de desalento que Mudbound deixa no espectador com sua narrativa melancólica. Fica aqui a recomendação de sentar e aproveitar a voz de Mary J. Blige até o último momento.

Mudbound é um filme de uma franqueza singular, cheio de meditações acerca das experiências humanas de amor, medo, sofrimento e esperança. A produção trabalha ao redor de temas de profunda importância com habilidade poética, levando o espectador aonde deseja sem floreios. E sinceridade está em alta.

Indicações:

  • Melhor Atriz Coadjuvante;
  • Cinematografia;
  • Canção Original;
  • Roteiro Adaptado.

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