A romantização da política externa nunca foi tão atraente.
Embebido na política externa durante a Segunda Guerra Mundial, O Destino de Uma Nação é uma pintura do momento de transição entre Primeiros Ministros na Inglaterra de 1940. Depois de anos praticando uma política de apaziguamento sob Chamberlain (Ronald Pickup), o país está pronto para reconhecer a ameaça nazista e a conduta maníaca de Hitler – só não está preparado para fazê-lo em tantas palavras quanto pretende Winston Churchill (Gary Oldman).
Existe uma resistência que espreita o novo Primeiro Ministro a todo instante. Apesar de preferirem Halifax (Stephen Dillane) para o cargo, o consenso de que é necessária a aprovação de ambos partidos nesse contexto de instabilidade faz com que Churchill seja levado ao poder. Dillane trabalha bem em sua persona prepotente, que sabe ter suporte político para exercer o cargo ao som do primeiro fracasso de Winston e, por isso, pretende pressioná-lo a levar adiante os planos que ele acredita serem mais apropriados. Esse traço é essencial para a condução da trama, visto que instaura dúvida e praticamente coage o Ministro a ir contra sua própria intuição.
Churchill tem convicções muito fortes – assim como sua personalidade – do que deve ser feito a partir de então, mas suas ideias são vistas, no mínimo, como desrespeitosas e enganadoras. As palavras, aqui, são medidas com a máxima cautela; podemos perceber isso já nas sequências iniciais, quando ele testa a capacidade de Elizabeth Layton (Lily James), sua nova secretária, de datilografar. Cada sentença é interrompida por um boletim de atualização e, devido ao seu conteúdo, é preciso recomeçar.
Essa cena tem outros propósitos bem executados: vemos a propensão do estadista ao vício, a personalidade supracitada e, mais importante, a dinamicidade da guerra travada por Hitler. Há uma noção de que o tempo acontece de forma diferente no meio da Blitzkrieg1e conseguimos sentir a dificuldade de acompanhá-la.
Já é de conhecimento geral que a Academia tem uma predileção pelos atores que tiveram que passar por grandes transformações ou desafios para interpretar suas personagens. Nesse sentido, Gary Oldman já teria algum tipo de vantagem sobre os demais pelo seu semblante irreconhecível; mas não podemos pensar por esse caminho.
Apesar do próprio Oldman ter dito à Rádio BBC que a parte mais difícil era saber se ele, em seus quase 60 anos, seria capaz de passar pelas mudanças físicas necessárias – e não se estava psicologicamente pronto para o mesmo -, o ator se transformou muito além do físico e entrega uma performance inesquecível, se aventurando pelas ações e declarações controversas dessa figura histórica sem entraves. É uma personagem marcante, que move O Destino de Uma Nação de forma sincera e autoral.
A relação entre Winston e Elizabeth serve a uma finalidade similar à que acontece em The Crown, também com a secretária: aproximá-lo do povo num momento em que ele está profundamente concentrado em motivos de Estado. A insegurança e a frustração que LilyJames passa em relação à guerra contribuem para que ele sinta a necessidade de se comunicar mais diretamente com o povo, que é o maior afetado pelo conflito em curso.
Essa etapa, de interpelação direta de homens e mulheres trabalhadores, é construída de uma maneira admirável e nos deixa atônitos; uma das melhores sequências surge a partir dela, além da oportunidade de rir da figura mais poderosa da nação em sua confusão com aquilo que é comum.
Ainda que exista um foco na interação com Elizabeth, dois outros arcos merecem destaque: aquele com sua esposa, Clemmie (Kristin Scott Thomas), e a evolução da confiança entre ele e o Rei George VI (Ben Mendelsohn).
Thomas é uma mulher forte que vai além da fórmula “bela, recatada e do lar”, conduzindo o marido em seus momentos de dúvida e estando pronta para guiá-lo, se necessário, pois entende que isso afeta a condução do próprio país.
Mendelsohn, por sua vez, passa por uma transição de lealdade motivada pelo compromisso que assume como Rei; apesar de ser um amigo pessoal de Halifax, ele passa a ver o efeito positivo da política de Churchill face ao combate pela Europa. Seu tempo em cena é sempre construtivo e o teor um tanto esquisito de seus primeiros encontros com Churchill adicionam uma comicidade irresistível ao ambiente.
Tanto o apoio essencial da esposa que conhece profundamente o homem com quem se casou quanto o reconhecimento da importância da abordagem que Winston deu à guerra são verossímeis e cativantes ao espectador, mantendo um ritmo instigante na película. Não obstante, nem Kristin Scott Thomas nem Ben Mendelsohn levaram a indicação na categoria “Coadjuvante”.
Em detalhes, a produção não peca. O próprio vício de Churchill está sempre presente, se não na forma do cigarro, na forma da fumaça gerada pelo mesmo a subir pelos cantos da tela de cinema. Os cenários são construídos nos mínimos detalhes, constantemente se apresentando à frente dos personagens na câmera, para que fiquem em evidência.
Apesar de ter a proposta de um drama histórico, o filme não pretende se levar tão a sério. O humor está presente do início ao fim, contrabalanceando o peso do conflito com as ironias e com os momentos cômicos das relações interpessoais; o desenvolvimento dessa faceta é feito com naturalidade, através de detalhes e de condutas bem arquitetados para divertir.
Vale ressaltar a interseção com a produção de Christopher Nolan, Dunkirk, que também concorre à estatueta. Os filmes podem formar um bom par vistos em sequência, já que o resgate das tropas é não apenas mencionado, como arquitetado durante a trama de Anthony McCarten.
O Destino de Uma Nação é um delicioso drama cômico, capaz de prender a audiência com um ritmo eletrizante; ele pode facilmente ser perdoado pelo exagero de romantização, dada sua habilidade em perpassar esse cenário conturbado e já tão explorado sob um holofote único.
Indicações:
- Melhor Filme;
- Melhor Ator;
- Melhor Design de Produção;
- Melhor Fotografia;
- Melhor Figurino;
- Melhor Maquiagem e Cabelo.
Um comentário em “Maratona OSCAR | O Destino de Uma Nação”